Monday, May 05, 2008

Limitações da Lei 9.612



Rádio comunitária

Rádio comunitária (radcom ou RC) é um veículo especial de comunicação, sem fins lucrativos, criado, no Brasil, no ano de 1998, através da lei 9.612, para oferecer informação, cultura, entretenimento e lazer às comunidades onde estão inseridas. Com limitação de alcance - no máximo 1 km a partir de sua antena transmissora, se estiver no dial -, a radcom é, geralmente, formada por uma pequena estação que funciona como canal de comunicação dedicado ao sítio onde está localizada, abrindo oportunidades para divulgação de suas ideias, manifestações culturais, eventos locais, acontecimentos comunitários, utilidade pública, promoção de actividades educacionais, tradições, hábitos sociais e outras variantes que visem a melhoria das condições de vida da população.
De acordo com a lei, uma RC não pode ter vínculos com qualquer pessoa ou instituição que limite ou direccione sua programação, a exemplo de partidos políticos ou instituições religiosas. A programação diária deve ser baseada em tudo o que possa contribuir para o desenvolvimento da comunidade, sem discriminação de cor de pele, religião, sexo, convicções político-partidárias e condições sociais. Deve ainda respeitar sempre os valores éticos e sociais da pessoa e da família e dar oportunidade à manifestação de diferentes opiniões.
Também conhecidas como rádios livres, são a representação de cidadãos e comunidades. Elas surgem, movidas pela sociedade desorganizada, nas áreas de maiores carências da população, sem comida, sem teto, sem bibliotecas, sem cinemas e sem cidadania. São a voz de milhões de marginalizados do poder económico, político, cultural, dominante, que estão a dizer que querem participar.
As rádios possuem, dentro da comunidade nas quais estão inseridas, grande poder de mobilização e conscientização. Mas precisam ser utilizadas por pessoas com alto conhecimento sobre os problemas e necessidades locais, com capacidade crítica, potencial de formação de opinião e, principalmente, com objectivos voltados para o bem comum, de acordo com alguns artigos da lei 9.612/98, que rege as rádios comunitárias no Brasil. Isso porque, da mesma forma que são utilizadas na busca da cidadania, podem ter seus princípios desviados, passando a ser reprodutoras de valores massificados pelas grandes médias, ideologias dominantes e não comunitárias, o que deturparia seus objectivos primeiros.
A rádio comercial seria o mais fabuloso meio de comunicação imaginável na vida pública, constituiria um fantástico sistema de canalização, se fosse capaz, não apenas de emitir, mas também de receber. E esse é o princípio das rádios comunitárias, organizar sua programação em conjunto com a comunidade. O ouvinte não apenas ouve, mas também fala. A rádio: não se isola, mas fica em comunicação com todos. Ela se afasta das fontes oficiais de informação e transforma os ouvintes nos grandes abastecedores (Bertolt Brecht).

A legislação das Rádios Comunitárias como entrave à autonomia e expansão da comunicação interactiva

Diluídos na ideologia de que foi feita para formalizar e legalizar as rádios comunitárias, estão os reveses da lei 9.612, que a revelam opressora e limitadora. Apesar da importância já comprovada no quotidiano das comunidades, a lei impõe uma série de regras que dificultam a abertura das rádios comunitárias. Instrumento de informação com capacidade para fortalecer os laços entre moradores de determinado sítio, orquestrar acções colectivas para melhoria da vida nos bairros e estreitar a convivência entre vizinhos, intervindo de forma favorável no quotidiano das pessoas, esses veículos ganharam, em seu desfavor, uma legislação rigorosa.
Na verdade, é uma forma de controlar, legalmente, e com o apoio do Estado, o movimento das rádios comunitárias, e, por consequência, mais uma tentativa de democratização da comunicação. A lei, criada em 1998, não permite, por exemplo, a inserção de propaganda comercial, a não ser sob a forma de apoio cultural, de estabelecimentos localizados na sua área de cobertura. Isso limita o orçamento da rádio, e a impede de crescer e divulgar suas ideias em mais amplo alcance. Traz ainda outras regras que vão de encontro com as propostas de democratização da comunicação, como impedir uma transmissão, caso seja considerada clandestina, e até resultar em prisão para os “contraventores”.
Segundo Lima Filho (2003), a transmissão de conhecimento e transparência no repasse da informação são ingredientes imprescindíveis para uma estratégia de desenvolvimento eficaz, e um dos meios para se reduzir a pobreza é a liberação do acesso à informação. Pessoas com mais informação são capacitadas para fazer melhores escolhas. O autor defende ainda que a média pode promover o desenvolvimento económico de três maneiras: sendo independente, transmitindo informação de boa qualidade e tendo um longo alcance. Mas, para decepção dos que pregam a democratização da comunicação, o novo instrumento, ao invés de promover essa mudança necessária, cria barreiras que impedem o avanço.
Além de mudar os critérios para a concessão dos canais, tornando-a muito mais difícil e burocrática, e às vezes até inacessível, há também itens em relação ao funcionamento das rádios que precisam ser revistos, como a ampliação do alcance da transmissão, que hoje é de um quilómetro, a proibição de publicidades, senão como “apoio cultural”, e a proibição de financiamento público, o que dificulta muito a criação de novas rádios.
No caso de rádios postes ou rádio cornetas, que funcionam por meio de caixas de som instaladas em locais públicos, como é o caso da Rádio Alto Falante, instalada na comunidade do Alto José do Pinho, a licença é obtida mais facilmente, mas ainda assim, com muita burocracia. O primeiro passo é retirar o Certificado Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), na junta comercial. Após elaborar o estatuto da rádio, deve-se procurar a prefeitura e a Companhia Pernambucana de Meio Ambiente (CPRH), para obter o alvará de funcionamento. É necessário ainda levantar o número dos postes onde serão instalados os alto-falantes e informá-lo à Companhia de Electricidade. A prefeitura do município torna-se responsável pela fiscalização do volume da transmissão
Para criar uma rádio que funcione por frequência no dial, a situação é mais complicada. Em primeiro lugar, a comunidade precisa ter entidades juridicamente reconhecidas que se reúnam em torno de um conselho comunitário. É preciso também formar um conselho de ética, um conselho fiscal e uma directoria. Mas o passo mais complicado no processo de abertura da rádio é a solicitação da licença, junto ao Ministério da Comunicação. Em alguns casos, é a parte mais demorada. Como o número de documentos que se precisa levar é grande, muitas vezes, os pedidos não são aceitos.
Quando se obtém a concessão, é preciso pagar uma taxa anual de R$ 100 para funcionamento. Em Pernambuco existem exemplos da dificuldade imposta pela burocracia, como a Rádio Calhetas, no Cabo de Santo Agostinho, que levou quatro anos para alcançar a legalidade e chegou a ser fechada duas vezes. Hoje a rádio tem mais audiência que as rádios comerciais do município. Isso se deve ao vínculo de confiança que o veículo criou com a população desde a primeiar tentativa de encerramento, quando houve várias mobilizações para reabri-la.

Eveline Alves
Lisboa, maio de 2008

Bibliografia

LIMA FILHO, Roberto Cordoville Éfrem. Direito Humano à comunicação: Respeito à pluralidade, fortalecimento do público e educação libertadora na construção do estado democrático de direito. Recife: V Colóquio Internacional Paulo Freire, 19 a 22/Set 2005.

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