Sunday, July 02, 2006

Rádio comunitária: Uma ferramenta contra-hegemônica

1. Hegemonia e Contra Hegemonia

Para dar início a este trabalho, faz-se necessário, primeiramente, conceituar hegemonia e contra-hegemonia, levando em conta a fundamentação teórica baseada na obra e conceitos do pensador italiano Antônio Gramsci, que usaremos como referência.
“Hegemonia o conjunto das funções de domínio e direção exercido por uma classe social dominante, no decurso de um período histórico, sobre outra classe social e até sobre o conjunto das classes da sociedade. A hegemonia é composta de duas funções: função de domínio e função de direção intelectual e moral, ou função própria de hegemonia”. (Mochocovitch, 1988, p. 20-21)

A hegemonia significa, sobretudo, direção cultural e ideológica em todos os níveis da vida cultural e social.

“Tal hegemonia, nos termos de Gramsci, significava o predomínio ideológico dos valores e normas burguesas sobre as classes subalternas”. (Carnoy, 2004, 90). “A classe burguesa situa-se como um organismo em contínuo movimento, capaz de absorver toda a sociedade, assimilando-a a seu nível cultural e econômico”. (Carnoy, 2004, 101 apud Gramsci, 1971, 260)

Sabendo que a sociedade civil faz parte da superestrutura do Estado, e que os grupos dominantes controlam essa superestrutura, podemos dizer que esses dois eixos controlam a hegemonia de tal forma, que resta à classe subordinada poucas alternativas, senão a luta contra-hegemônica.

“A constituição de uma concepção de mundo contra-hegemônica passa por uma grande transformação histórica no plano da superestrutura, expressa por Gramsci como a “criação de um novo senso comum” e a “elevação cultural das massas”. Trata-se da reforma intelectual e moral, que se traduz na construção e na difusão de uma concepção de mundo própria das classes subalternas, atuando sobre o senso comum, popularizando as conquistas filosóficas do marxismo e tendendo a desfazer, no plano das relações sociais de dominação e da distribuição da cultura, a dicotomia dominantes/dominados, inclusive em momentos anteriores à transformação do Estado”. (Mochocovitch, 1988, p. 37)

Segundo Antônio Gramsci, a dominação das classes é possível, basicamente, por dois fatores: a interiorização da ideologia dominante pelas classes subalternas e a ausência de uma visão homogênea de mundo, por parte dessas classes, que lhes permita ter autonomia. As classes dominadas continuam presas ao senso comum, à religião, e ao folclore. Ainda não chegaram a uma visão própria de mundo, adequada às suas condições reais de vida. Essas classes estão subordinadas ideologicamente.

“Assim, para Gramsci, dominação ideológica seria subordinação intelectual: as classes dominantes podem, pela direção que imprimem à sociedade, conservar a unidade ideológica de todo o bloco social que está cimentado e unificado pela ideologia dominante. A base de sustentação dessa unificação ideológica exercida pela ideologia dominante é o senso comum”. (Mochocovith, 1988, p. 14)

Dessa maneira, a elite dominante, proprietária dos meios de comunicação de massa mantém a hegemonia ideológica sobre as massas, manipulando-as conforme seus interesses. A hegemonia pode se manifestar de duas maneiras: pelo domínio ou pela direção moral e intelectual .

"(...) a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como "domínio" e como "direção moral e intelectual". Um grupo social é dominante sobre os grupos adversários que tende a “liquidar” ou a submeter com a força armada, e é dirigente em relação aos grupos afins ou aliados". (Portelli, 1977, p.69 apud Gramsci, 1966, p. 70)

Em tempos de democracia, os grupos dominantes preferem fazer com que as massas pensem que estão raciocinando e agindo por conta própria. Eles induzem a opinião pública a tal ponto, que as classes menos favorecidas agem da forma que os dominantes querem, e nem percebem isso, continuando a achar que a decisão que tomam é o melhor para si e para os demais dominados.
Segundo Gramsci a hegemonia explica as relações travadas entre as classes sociais. Ela permite trabalhar com os aspectos culturais e políticos que envolvem as classes fundamentais da sociedade. A hegemonia aplica-se às classes que, “pelo lugar que ocupam no seio de um modo de produção historicamente determinado, estão em condições de assumir ou aspiram a assumir o poder e a direção de outras classes”. (Mochocovith, 1988, p. 21 apud Piotte, 1975. P. 23)
Para isso, a hegemonia precisa ser difundida na sociedade, sem que seja percebida. Ela é mantida através de um conjunto de práticas realizadas no dia-a-dia: as tarefas, bem como a compreensão do homem e de seu mundo. Uma cultura efetiva e dominante só é compreendida se entendemos o processo real de incorporação de que ela depende.

“... há um processo que chamo tradição seletiva, o qual, nos termos de uma cultura dominante efetiva, é sempre dissimulado como “a tradição”, o passado significativo. Mas a questão é sempre a seletividade, a forma em que, de todo um campo possível de passado e presente, escolhem-se como importantes determinados significados e práticas, ao passo que outros são negligenciados e excluídos. De modo ainda mais decisivo, alguns desses significados são reinterpretados, diluídos ou colocados em formas que apóiam ou ao menos não contradizem outros elementos dentro da cultura dominante efetiva”. (Mochocovith, 1988, p. 23)

Para destruir o ciclo da hegemonia liderada pela classe dominante, faz-se necessário que haja uma luta hegemônica . Levando em conta que “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica” (Mochocovith, 1988, p. 27 apud //materialismo storico; Roma, Riuniti, 1977, pág. 13), entende-se a educação como um instrumento de luta. Gramsci baseia todo seu discurso, e a "salvação" das classes dominadas na educação.
Essa luta a qual se refere, seria para se estabelecer uma nova relação de hegemonia que permitisse constituir um novo bloco histórico sob a direção da classe dominada, o proletariado. Mas o proletariado não pode se transformar em força hegemônica sem a elevação do nível cultural das massas. É aqui que Gramsci destaca a importância fundamental da educação.

“A forma de inserção da educação na luta hegemônica configura dois momentos simultâneos e organicamente articulados entre si: um momento negativo, que consiste na crítica da concepção dominante (A ideologia burguesa), e um momento positivo, que significa trabalhar o senso comum de modo a extrair o seu núcleo válido (o bom senso) e dar-lhe expressão elaborada com vistas à formulação de uma concepção do mundo adequada aos interesses populares”. (Mochocovith, 1988, p. 27 apud Gramsci, 1980, p. 10)

Ainda que se leve em conta as incursões do Estado em relação à hegemonia, é na sociedade civil que se trava a batalha entre concepções de mundo opostas. De um lado, a dominante, que encontra apoio para se expandir e se enraizar no senso comum dos cidadãos das classes subalternas. De outro lado, uma ala que se forma em oposição e adquire coerência a partir da elevação cultural, dada através da educação.

2. Direitos fundamentais

O direito de informar e ser informado é fundamental e inerente ao ser humano. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) todo cidadão e toda cidadã tem o direito à liberdade de expressão . Dessa forma, podem, sem ser inquietados pelas suas opiniões, falar o que pensam. Cabe, ao Estado, garantir o canal para que essas pessoas possam se expressar. Ora, se cada um puder dizer o que pensa, e a maioria dessas idéias, ou até mesmo apenas algumas delas, for contra o Estado, e este passar a ser prejudicado, certamente não vai concordar em prover esses cidadãos de tais canais de comunicação. Ao Estado será bem mais cômodo permanecer inerte e se fazer de cego, surdo e mudo. Ignorar os apelos de seus governados e evitar dar-lhes voz, ignorando o que diz o artigo 19 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1966):

1. Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões.
2. Toda e qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito
compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e idéias de toda a espécie, sem consideração de fronteiras, sob forma oral ou escrita, impressa ou artística, ou por qualquer outro meio à sua escolha.

3. Direito à informação e à comunicação

“Comunicar é transformar reflexão em ação, intenção em gesto, num movimento capaz de construir mulheres e homens novos, à medida que sua qualidade, alcance e exercício se aperfeiçoa e amplia”. (Arantes, 2005, p.1)
A comunicação tem uma função extremamente importante: expressar a força democrática de uma sociedade. É por esse motivo que o primeiro sinal de repressão dos grupos dominantes é a cassação da voz, seja pela intimidação, pela exposição ao ridículo, pela criminalização, ou até mesmo pela censura. “No cenário do capitalismo, no qual estamos/fomos inseridos, a comunicação é objeto do mercado, incidindo sobre ela interesses privados, quando deveria ela ser expressão da universalidade dos direitos”. (Arantes, 2005, p.2)
A comunicação não acaba no ato da livre expressão, mas se perpetua na busca da desconcentração dos meios de comunicação de massa, na criação de espaços sociais, no acesso a e informação, no incentivo a um sistema público de comunicação, na regulação das concessões de canais de comunicação, no direito de antena, entre outros.
Elemento essencial à cidadania e à democracia, a comunicação é um direito, e como todo direito, tem que ser conquistado. Como direito humano, está vinculada à vontade que mulheres e homens têm para reivindicar a sua concretização, indo contra a hegemonia de grupos dominantes.
“A capacidade de transformação da comunicação se afirma quando ela consegue ser instrumento de participação social – elemento de inclusão política. (...) quando a comunicação for expressão da liberdade e, especialmente, da igualdade e do desenvolvimento, estará ela se afirmando enquanto direito humano e, com isso, reivindicando uma responsabilidade pública e coletiva”. (Arantes, 2005, p.1)

A informação, por sua vez, é a munição que a comunicação faz chegar até o povo para criar senso crítico e desenvolver atitudes. Monopolizar a comunicação e a informação é o mesmo que direcionar, para onde se quer, a opinião pública e, consequentemente, a direção das massas, suas ações, desejos e anseios. É ter o comando da base (o povo) nas mãos. Esse monopólio da comunicação, junto a um marketing bem elaborado, gera uma ditadura disfarçada de democracia, uma ditadura que orienta por onde a massa deve seguir, deixando-a pensar que decide por si própria.
Os meios de comunicação de massa, ferramentas utilizadas pelos grupos dominantes com o propósito de alienar e liderar o povo, são os responsáveis diretos pela formação política e educacional de quase toda a sociedade, principalmente dos menos alfabetizados (grande maioria) que tem, nesses veículos de radiodifusão, o único instrumento de leitura do mundo. Se esses veículos fazem parte de um círculo fechado de grandes proprietários, pautarão a política e a educação do país de forma tendenciosa. Nesse caso, o direito de informar, que deveria ser de todos, passa a ser privilégio exclusivo de um grupo ou sistema limitado, que passará a ditar as regras. O direito de informar fica, portanto, prejudicado.

“O direito de informar está umbilicalmente ligado á função pública da comunicação social. É ele que garante a diversidade de opiniões e a pluralidade na arena pública. É ele que veda a hegemonia da informação única, que respeita o multiculturalismo e que efetiva a democracia participativa no âmbito da comunicação social. O pleito pela efetivação do direito de informar parte do direito ao acesso aos meios de comunicação, tanto aos de massa, os de radiodifusão, como à mídia radical, as rádios e jornais comunitárias, por exemplo”. (Lima Filho, 2003, p.3 apud Downing, 2002)

É o caso dos movimentos sociais, que não conseguem ter acesso a esses meios, e são, geralmente, marginalizados pela mídia. Eles não têm vez, não têm voz. Representam interesses contra-hegemônicos, que entram em conflito com os interesses dos donos dos canais de comunicação que manipulam a informação.

“O latifúndio midiático prospera na concentração do acesso aos meios de comunicação em massa. (...) se é uma elite quem domina esses interesses, e se essa elite é a mesma branca, eurocêntrica, heterocêntrica e concentradora de rendas elite econômica brasileira, não há de se esperar uma produção de conhecimento e informação plural, democrática e emancipatória por parte desses meios de comunicação”. (Lima Filho, 2003, p.3)

Essa mesma elite, que concentra e explora os meios de comunicação, não se preocupa em usar essas ferramentas para desconstruir conceitos como o racismo, a homofobia ou o machismo. Tampouco visa o fim das desigualdades sociais, visto serem, elas mesmas, as mais interessadas em manter a hegemonia, o poder, e os próprios interesses sobre os interesses do povo oprimido.
É o exemplo clássico dos grandes concentradores de terras do Nordeste brasileiro. Não restam dúvidas quanto aos ideais defendidos por esses latifundiários. Para piorar a situação, são eles, os proprietários e concessionários dos grandes canais de comunicação de massa. Que tipo de informação pode-se imaginar que esses elitistas passarão? Alguém seria capaz de imaginar que eles preguem a militância na Reforma Agrária? Eles não apenas defendem seus interesses, como fazem com que o povo pense da mesma forma que eles, e acreditem que essa é a forma correta de estar na sociedade.
Assim, se valendo do senso comum , continuamos presos à rede da oligarquia que dirige esses meios, sendo atingidos, ou pelo capital internacional, que afeta diretamente o regime democrático de nosso país, ou ainda pela dominação da linguagem, reprodução das opressões, ou manutenção das desigualdades. Para nos livrarmos desse mal, seria necessário destruir algumas barreiras. E a primeira que precisa ser rompida para que seja alcançada a democratização da comunicação é a da regulação estatal para a comunicação social. Essa regulamentação é defendida com forte ímpeto pelos empresários da comunicação, e pela direita partidária.
Esses grupos políticos que constituem parte da elite econômica nacional usam, como pretexto para sua defesa, e conseqüente continuação do monopólio dos meios de comunicação, a orientação de que a liberdade de expressão faz parte do campo privado das relações pessoais e que, por isso, seria um autoritarismo estatal sem tamanho qualquer interferência na área.
“Essa é uma orientação liberal nascida em tempos de lutas liberais pela construção de um Estado burguês liberal que se abstivesse de intervir em certas garantias individuais, consideradas humanas ou fundamentais, como o direito de propriedade – e não o direito à propriedade, como consta no Art. 5º de Constituição brasileira de 1988 – e o da liberdade de expressão. Tal orientação – liberal – tem a liberdade de expressão como direito individual, sendo insuficiente para a discussão sobre a efetivação do Direito Humano à Comunicação Social, visto esta demandar uma prestação estatal". (Lima Filho, 2003, p.5)

A comunicação social é um direito fundamental, um serviço público que deveria atender a funções públicas, e ser regularizada de acordo com essas funções. Deveria ser regulada de acordo com princípios públicos e democráticos, sem qualquer censura à liberdade de expressão para ambos os lados (dominantes e dominados), mas uma ferramenta para se chegar a tal liberdade. Dialeticamente, as elites dominantes, grupos políticos e proprietários de canais de comunicação que pregam o direito à liberdade de expressão esquecem de dar essa mesma liberdade aos grupos menos favorecidos, tolhendo-lhes o direito à comunicação.
A liberdade de expressão teria, nesse caso, apenas um sentido, apenas uma direção: dos grupos elitistas para os grupos manipulados. “A elite não promoverá a emancipação dos (as) excluídos porque, se ninguém liberta ninguém, não será o/a opressor (a) o/a libertador (a) do (a) oprimido (a), mas apenas os/as oprimidos (as) em comunhão”. (Lima Filho, 2003, p.7 apud Freire, 1987, p. 54)
Se a comunicação é considerada fundamental, não deveria ficar nas mãos de uma pequena aristocracia. Acontece que o sistema de concessões de exercício da radiodifusão é, no Brasil, mais um instrumento de barganha política, do que, necessariamente, uma profusão de direitos. Não restando dúvidas que os meios de comunicação de massa são influentes na formação da opinião pública, tira-se, daí, de onde vem o interesse das elites dominantes por permanecerem com a posse e o monopólio desses veículos. Ao povo, resta o direito de antena - veículo de concretização do pluralismo jurídico, pois promove a intervenção das mais divergentes correntes políticas na formação da opinião pública. Ainda assim, temos o problema da direção da liberdade de expressão.
Embora venha de várias direções (de diferentes grupos elitistas), ela continua vindo em apenas um sentido (de cima para baixo). As opiniões chegam como flechas, cada qual defendendo uma bandeira diferente, de acordo com o grupo que as lança, porém, aos dominados resta escolher entre tais opções e defender uma ou outra frente dominante. Eles não têm o direito de, também, atirar sua flecha e defender seu ponto de vista.
As saídas encontradas até agora são paliativas, como o direito de antena, ou o direito de resposta. Essas medidas podem, se bem utilizadas, vir a ser importantes e eficazes ferramentas de intervenção de grupos como movimentos sociais, na formação de opinião pública, contrariando o que é feito pela elite dominante. Porém, são medidas que dependem, em muito, da burocracia judiciária, ou ainda da boa vontade de políticos - que, contrariando a Lei n° 4117/62 , do Código Brasileiro de Telecomunicações, também são “donos da comunicação” no Brasil -, para que esses direitos sejam efetivados.
Surge, num outro pólo, como saída para essas organizações e como resposta ativa da sociedade civil, a mídia alternativa, completamente ligada à organização civil e popular, que tem, nesse meio, a firmação de sua base. Essa mídia é diretamente envolvida em atuações locais e comunitárias, que respeitam o multiculturalismo e a pluralidade.

“Essas rádios são importantes veículos de afirmação da identidade sociocultural das comunidades periféricas, pois dão relevância ao local diante do local e ao local diante do global e não apenas do global sobre o local, como costumam fazer os meios hegemônicos. Elas fomentam a autonomia comunitária e o aprofundamento das discussões acerca de suas vivências. São, desse modo, formas de emancipação popular e de construção da cidadania a partir do diálogo e da auto-organização. (...) deixam claro que a periferia da sociedade da informação quer informar, se informar e ser informada, mas isso numa arena pública plural e democrática”. (Lima Filho, 2003, p.9)

Porém, de certa forma, a mídia alternativa diz respeito, também, ao próprio Estado, mesmo que dependa menos dele e mais da sociedade civil. Acontece que certas áreas de atuação dessa mídia, como é o caso das rádios comunitárias, precisam de regulação estatal específica . Atualmente existem, no Brasil, 15 mil Rádios Comunitárias, embora apenas mil delas sejam legalmente reconhecidas visto ser a legislação sobre o tema extremamente excludente. Isso se não levarmos em conta as rádios comunitárias implantadas sob desobediência civil que não aguardam a burocracia da lei.
Os meios de comunicação alternativos carregam os princípios da democracia participativa, da contra-hegemonia e da dialética. Eles têm liberdade suficiente para construir essa contra-hegemonia. Esses veículos terminam por ser promotores de uma educação popular conscientizadora. O respeito à pluralidade, ao diálogo e à autonomia são alguns princípios que regem esses meios. A interatividade da audiência desses veículos comunitários com o público é forte, intervindo diretamente na programação. “A comunidade é produtora e receptora concomitantemente. Forma-se naturalmente um processo dialógico e educativo que deve ser causa de e dar conseqüência ao amadurecimento da organização comunitária”. (Lima Filho, 2003, p.9)
Para piorar a situação, ainda existem políticos que tentam, descaradamente, regularizar a concentração desses meios e, conseqüentemente, o deixar o monopólio nas mãos dos grupos dirigentes do país. Segundo Lima , o deputado federal Alceste Almeida (PTB/RR) apresentou uma proposta de Emenda Constitucional (PEC) 453/2005, no plenário da Câmara dos Deputados no dia 30 de agosto de 2005 que, na prática, permite “que deputados e senadores sejam proprietários de jornais, emissoras de rádio e de televisão”, eliminando, dessa forma, a restrição da Lei nº 4117/62.
Como se sabe, vários deputados e senadores exercem controle de empresas de radiodifusão. Essa PEC serviria apenas para regularizar a situação desses políticos. Assim, eles passariam a decidir sobre renovações e novas concessões dos serviços de radiodifusão, dos quais eles mesmos seriam concessionários. Passariam a monopolizar, com direitos garantidos por lei, a opinião das massas na direção que os interessassem como políticos. Hoje, 26 deputados já constam do cadastro do Ministério das Comunicações como concessionários de emissoras de radiodifusão .
Diante dessa nova ameaça, o que resta aos grupos desfavorecidos, à sociedade civil e a todos que ainda têm alguma esperança na democratização da comunicação? Nos resta lutar pela democratização dos meios de comunicação, através de veículos alternativos, para que possamos por em prática a liberdade de expressão e opinião.
“A liberdade de expressão e opinião, face mais visível da comunicação, somente se exerce (numa leitura de direitos humanos), quando for possível às pessoas participarem de sua cultura, ter acesso aos benefícios do progresso científico; ao conhecimento produzido pela sociedade; aos meios de produção e difusão de informação; ao conhecimento necessário a uma relação autônoma com os MCS’s e ao direito a um ambiente plural no espaço social da comunicação”. (Arantes, 2005, p.2)

4. A desinformação como causadora das desigualdades sociais

A informação chega manipulada às massas, que continuam ignorando seus direitos. Essa desinformação da população é a principal causadora das desigualdades sociais, pois impede a organização da sociedade civil. “O contexto político de concentração proprietária dos meios de comunicação em massa, portanto, atenta contra o direito de informar, contra a pluralidade, contra a democracia e contra a função pública da comunicação social”. ( Lima Filho, 2003, p.3)
O direito à comunicação subentende o direito de informar, ser informado, e de se informar. Essas três vertentes do mesmo direito são, devido a concentração dos meios de comunicação de massa, desconstruídos pela força do mercado da comunicação, que rege as relações de comunicação social. Mas como isso acontece? O direito de ser informado é limitado pelos meios de comunicação, que definem que fatos formarão ou não a opinião pública. Esses meios também orientam a interpretação política com que tais fatos serão veiculados. Essa censura é exercida pelos interesses dos próprios meios de comunicação de massa, de propriedade de grupos políticos que querem fazer com que o povo pense da forma que eles querem, e não pelos interesses do Estado, ou menos ainda pelos do próprio povo. O direito de buscar informação fica prejudicado pela limitação do pensar das pessoas, causada pela alienação provocada pela programação da grande mídia.
O direito de informar é, por fim, o mais prejudicado. Os Meios de Comunicação de Massa são responsáveis pela formação política e educacional de boa parte da sociedade e, principalmente, da maioria menos instruída, que tem os meios de radiodifusão como único instrumento de leitura de mundo. Se esses veículos se concentram nas mãos de um círculo fechado de grandes proprietários, apenas esse círculo pautará política e educacionalmente a formação desse povo. O direito de informar, como já dissemos anteriormente, garante a diversidade de opiniões, a quebra da hegemonia da informação, respeita o multiculturalismo e efetiva a democracia participativa. Para efetivar tal direito, se faz necessário o acesso aos meios de comunicação.

“No contexto neoliberal brasileiro das desigualdades, paralelamente à concentração de propriedade, está a concentração da liberdade de expressão. No país da não proibição da propriedade cruzada dos meios de comunicação, em que oito famílias controlam de forma hegemônica os meios de comunicação em massa de radiodifusão e no qual 37,5% da distribuição de concessões da mídia televisiva estão nas mãos do Partido da Frente Liberal – partido representante da extrema direita concentradora de propriedades e, portanto, de informações – todos e todas podem se expressar, mas pouquíssimos (as) podem realmente ser ouvidos (as)”. (Lima Filho, 2003, p.2 apud Capparelli, 2004, p. 30)

5. Busca da igualdade através da comunicação

Acesso e produção da informação pela sociedade são faces da expressão da democracia. Mas isso não tem sentido se, em nível local, não houver mobilização, também, por uma democratização da educação com qualidade, do acesso ao conhecimento científico e às tecnologias e da produção de conhecimentos que reflitam formas plurais de se colocar no mundo “que não apenas a dos homens brancos, católicos, heterossexuais e com posses”. (Arantes, 2005, p.2 e 3)
Afinal, liberdade de expressão e opinião é direito constitucional de todos, mas que não se confirma diante do monopólio dos sistemas comunicacionais por grupos dominantes, que abafam e criminalizam os veículos de comunicação alternativos. A saída é continuar com a tentativa de ocupar os espaços de informação. Mas essa transformação precisa ser feita a partir do local, do micro, para ir, aos poucos, formando sua base para uma ampliação do movimento. “A liberdade, recusa da heteronomia, é autonomia... E essa apenas se conquista no fazer, com condições iguais de acesso e oportunidade”. (Arantes, apud Marilena Chauí, 2005, p.4)


6. Rádio comunitária como veículo tradutor de igualdade segundo conceito de Hegemonia de Gramsci

Para que as classes dominadas consigam ocupar seu lugar na sociedade civil, precisam, segundo a teoria da guerra de posição de Gramsci, se articular e começar a trabalhar o lado sócio-econômico-cultural através de reivindicações e formação da opinião pública. E para que consigam ser formadores de opinião, precisam, antes, se inserir nesse meio. Dessa forma poderiam, com a contra-hegemonia, combater a hegemonia da classe dominante, conseguida através do convencimento das massas.

“A reação da classe proletária, sem ataque frontal, aquilo que Gramsci chamou de “guerra de posição” – a luta para criar uma consciência coletiva da classe operária, a tomada do espaço criando uma consciência coletiva na classe trabalhadora. Uma alternativa à “guerra de movimento” - ataque ao Estado. A maior diferença entre esses dois movimentos, seria que a guerra de posição estaria preparada, com a classe trabalhadora organizada para uma nova cultura, sem deixar um vazio no desenvolvimento de uma nova sociedade. Na guerra de posição, o avanço seria para tomar o espaço criando uma hegemonia proletária para sitiar o Estado burguês”. (Alves, 2005, p. 3)

O projeto contra-hegemônico de Gramsci, com todas suas teses utópicas (utopia socialista) seria desenvolvido na sociedade civil, não apenas com uma mudança econômica ou política, ou ainda no poder de produção, mas com uma mudança na cultura da sociedade. Isso geraria uma crise da hegemonia, resultado de más ações dos grupos dirigentes, ou de forte militância política de massas até então passivas. O grupo dominante perderia o poder de convencimento, visto que as massas contariam com os intelectuais dos movimentos sociais para direcionar-lhes a opinião, e teriam, assim, outras visões que difeririam do ponto de vista do grupo dominante. Este perde a direção da sociedade civil, restando apenas como classe dominante, que exerce somente a força de coerção.
Mas como difundir as opiniões desses intelectuais, de modo a confrontar com o monopólio dos meios de comunicação de massa controlados pela burguesia dominante e conseguir formar uma opinião pública crítica e que entre em contradição com a implantada pelo grupo que está no poder, de forma a causar a perda da legitimidade dominante e do consenso das práticas consideradas legítimas, instaurando, assim, a crise de hegemonia?
Seria necessário o trabalho coletivo dos meios de comunicação alternativos, em acordo com intelectuais voltados para a causa da contra-hegemonia e profissionais militantes de movimentos sociais, ou ainda que apóiem a causa. Dessa forma haveria uma definição da luta ideológica, unificada com esses movimentos. Haveria uma quebra da ilusão formada nas massas pelas classes dirigentes.
“A burguesia utiliza todos estes elementos e sua expansão ilusória para incorporar a classe operária como classe operária, sem consciência de sua posição de classe no desenvolvimento global da burguesia. Ao tomar parte do poder e do controle burgueses, os trabalhadores permanecem uma classe explorada, contribuindo essencialmente para o enriquecimento de uma minoria (que permanece uma minoria) às custas dos trabalhadores”. (Carnoy, 2004, 101)

Para que as massas possam formar opiniões e lutar pelo direito à comunicação, se faz necessário que haja a democratização dos meios de comunicação. A estrutura de comunicação no Brasil, concentradora e monopolista, impede grandes movimentos das massas. Em alguns países não é permitido a uma só empresa atuar em todas as áreas da comunicação ou que uma só empresa atue em toda a extensão territorial. Isso se dá para desconcentrar o poder da informação.
Todos nós temos o direito de se expressar, comunicar, reivindicar, emitir opiniões, desejos, receber informações capazes de formar conceitos críticos e dar aptidão para analisar a sociedade na qual vivemos. Para que isso se torne uma realidade, precisamos lutar para que aconteça a inclusão social e o desmantelamento do monopólio da comunicação no Brasil.
As rádios comunitárias, por sua vez, trabalham contra o monopólio, exercendo o papel de veículos alternativos de comunicação e inclusão social. O que se faz necessário para tal fim é a multiplicação desse meio plural nas mãos da comunidade. Uma vez de posse de tal canal de comunicação, a sociedade se presta a exercer seu papel cidadão, e a ela resta o desafio do bom uso desse meio.
Assim, os movimentos de classe, étnicos, gênero ou movimentos gays têm, nesse veículo, uma opção para se inserir na sociedade como formadores de opinião, iniciando, dessa forma, mais um capítulo da contra-hegemonia. Gramsci considera que as massas de trabalhadores são também capazes de desenvolver a consciência de classe. Da mesma forma, grupos que têm seus direitos humanos, sejam civis, políticos, culturais ou sociais violados, podem seguir o exemplo, e partir na luta por reconhecimento com a ajuda das rádios comunitárias contribuindo, também, para a descentralização das comunicações no Brasil.

7. Conclusão

Gramsci acreditava que a elevação cultural das massas para adequá-las às forças produtivas capitalistas repercutiam de duas maneiras: a primeira, atendia aos propósitos do capital burguês; a segunda, aos das classes dominantes, uma vez que, de posse da informação, as massas adquiriam capacidade crítica. O acesso aos códigos dominantes, adquiridos através da alfabetização, e o conhecimento de direitos e deveres educavam, não apenas para o conformismo, mas também para a transformação da ordem.
Sabendo-se das funções da hegemonia, domínio e direção intelectual, entendemos que, para que haja igualdade entre classes, é necessário uma transformação capaz de elevar, culturalmente, a conscientização popular. Uma reforma educacional que mostre, ao povo, que ele também é capaz de produzir os próprios conceitos, diretrizes, cultura e argumentos, sem se deixar levar pela influência de um grupo dominante, que faz, através da manipulação da informação, com que essa base se creia incapaz de ter autonomia, e que permaneça presa ao senso comum, subordinada ideologicamente.
Essa reforma intelectual e moral parte da crítica do senso comum produzido pela introjeção dos valores da ideologia dominante nas camadas subalternas. Os grupos dominantes induzem a opinião pública a tal ponto que as classes menos favorecidas agem da forma que tais grupos querem, sem, sequer, perceber, continuando a achar que as decisões que tomam é o melhor caminho. A hegemonia é difundida na sociedade, sem que haja percepção.
“Esta ênfase nas influências intelectuais e culturais e não naquelas puramente econômicas permitiu a Gramsci desenvolver sua doutrina da “hegemonia” – um dos conceitos com o qual é hoje associado na mente de muitas pessoas -, doutrina que explica parcialmente como determinado sistema social e econômico se sustenta e mantém sua base de apoio. Como somente ocorreu com alguns marxistas, Gramsci compreendeu que o domínio de uma classe sobre outra não depende apenas do poder econômico ou da força física, mas principalmente de persuadir a classe dominada a compartilhar dos valores sociais, culturais e morais dominante”. (JOLL, 1977, p.8).

Visando destruir esse ciclo hegemônico, faz-se necessário uma luta, através da elevação do nível cultural da sociedade, tendo, na educação, um dos instrumentos para se estabelecer uma nova relação de hegemonia sob a direção da classe dominada. A educação se coloca, dessa forma, como um elemento essencial à cidadania e à democracia, tornando-se um direito a ser adquirido através da comunicação e da informação de qualidade.
Os meios de comunicação, responsáveis diretos pela formação educacional da parte menos alfabetizada da sociedade se coloca, muitas vezes, como único instrumento de leitura do mundo para essa parcela da população. De posse desses veículos, a elite dominante trata a política e a educação do país de forma tendenciosa, fazendo com que os interesses dos grupos dirigentes continuem sendo prioritários. Esses interesses tendem a fazer com que o povo pense da forma que o grupo dominante quer. O direito à informação é, dessa forma, violado.
Sem esse direito, necessário para ocupar um lugar na sociedade, as classes dominadas não conseguem se articular para formar opinião pública e fazer uso dos veículos alternativos de comunicação como armas de combate às mídias tradicionais, para difundir essas opiniões. Essas camadas da população continuam recebendo informações, difundidas pelas oligarquias dominantes, que trazem, a falsa impressão de que a população está ciente e concorda com o que acontece ao seu redor.
Mas para que a difusão dessas informações seja eficiente e consiga formar uma opinião pública crítica, é necessário o trabalho coletivo desses veículos alternativos, em acordo com intelectuais e militantes de movimentos sociais voltados para a causa da contra-hegemonia. Dessa forma haveria uma definição da luta ideológica unificada.
Mas, para se firmarem como formadores de opinião, é necessário que as massas aprendam a fazer uso desses veículos, que se colocam como armas de combate à grande mídia, de propriedade dos grupos dominantes.
Esses meios de comunicação carregam os princípios da democracia participativa, da contra-hegemonia e da dialética. Como promotores de uma educação popular conscientizadora, eles têm liberdade suficiente para construir essa contra-hegemonia. As rádios comunitárias, por exemplo, trabalham contra o monopólio da mídia, exercendo a inclusão social. O que se faz necessário, porém, é a multiplicação desse veículo nas mãos da comunidade. Uma vez de posse de tal canal, a sociedade se presta a exercer seu papel cidadão, resta a ela, o desafio do bom uso do meio.
Ainda assim, não basta apenas obter a concessão dessas rádios e descentralizá-las, junto às massas. É preciso colocá-las nas mãos de pessoas interessadas em promover a diminuição da desigualdade social e com poder de formar opinião pública, para, dessa forma, criar a consciência coletiva nas classes dominadas, além de trabalhar esses veículos de forma coerente e direcionada na busca de um objetivo comum. Dessa forma, os movimentos sociais têm uma opção para se inserir na sociedade como formadores de opinião, iniciando mais um capítulo da contra-hegemonia.

8. Referências

ALVES, Eveline. O papel dos meios de comunicação alternativos na luta contra a
desigualdade. Recife, 2005.

ARANTES, Rivane. Direito humano à comunicação: como exigi-lo? 3ª Semana pela
democratização da comunicação. “Outra Comunicação é Possível!”/UFPE. Recife, 2005.

CARNOY, Martins. Gramsci e o Estado. In Estado e teoria política. Campinas, SP:
Papirus, 2004. (89 - 117).

GOMES, Osmar. Democracia nas antenas. Coluna: Ponto de Vista. Disponível em
em 02/05/2005.

JOLL, James. As idéias de Gramsci. Cultrix Ltda, SP, 1977.


LIMA FILHO, Roberto Cordoville Éfrem. Direito Humano à comunicação: Respeito à
pluralidade, fortalecimento do público e educação libertadora na construção do estado democrático de direito. Recife, 2005.
LIMA, Venício As bases do novo coronelismo eletrônico. Observatório da Imprensa.
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LIMA, Venício A. De. Mão de gato no Congresso: A nova desfaçatez do coronelismo
eletrônico. Observatório da Imprensa. Disponível em ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=350CID001>. Em 11/10/2005.

MOCHCOVITCH , Luna Galano. Gramsci e a escola. Editora Ática, SP, 1988.

2 comments:

Carlos Serra said...

Seu blog promete, abri um link para ele no meu. Em frente!

Anonymous said...

oi eve aqui é o paulo da radio alto falante, adorei o teu blog e o artigo das rádios te peço para reproduzir. um abraço!