Thursday, June 19, 2008

Fato: A violência e a ética na mídia. Onde ficam os direitos do cidadão?



É com muito pesar que escrevo hoje esse post. Há cinco dias perdi um amigo muito querido. Wal Silva, radialista, produtor, profissional competente, amigo, e acima de tudo, um ser humano extraordinário. Brutal e covardemente assassinado com dois tiros nas costas, no centro do Recife em plena madrugada do sábado dia 14 de junho de 2008.
Ávidos por notícias numa cidade onde o crime e a violência não são, senão os maiores factos geradores e alimentadores de uma mídia insaciável, os veículos de comunicação da cidade, correram ao local a fim de registrar a tragédia. Não que se tenha que esconder. A cidade do Recife vive um caos. É certo. A segurança está falida e as autoridades competentes (?) pouco conseguem fazer para conter o avanço da criminalidade. Jargão??? Pode ser. Mas a realidade é que não há acção satisfatória na direcção de conter esse caos. Assim sendo, o que resta aos cidadãos? Fugir?? Seremos então nós, pessoas íntegras, trabalhadoras, cidadãos de bem, que teremos que abandonar nossa cidade e deixá-la entregue ao banditismo por falta de opção? Teremos nós que rezar todos os dias antes de sair de casa, pedindo proteção divina para voltar vivo ao fim de uma jornada de trabalho, já que os que devem dar segurança ao povo não o conseguem fazer??
A violência está sem medidas, e de certa forma, contribuímos nós, profissionais de comunicação para propagar essa vaga. Como assim? Pois não somos nós os responsáveis que estamos a veicular desmedidamente o que acontece, sem nos preocuparmos com os efeitos causados? Não somos nós, interessados em aumentar nosso público que, sem nenhuma preocupação executamos – sim, apenas executamos, como máquinas programadas – todos os dias a divulgação de crimes bárbaros, expondo vítimas, que deveriam ser tratadas com respeito e pudor?
Pois bem... No último dia 14 perdi um amigo, e alguns veículos de comunicação, ansiosos por prender a atenção do público, cada qual querendo a maior fatia, não apenas noticiaram o fato, mas expuseram a imagem do colega de profissão, morto, baleado, estendido no chão molhado pela chuva numa avenida do centro do Recife.
Indignada que fiquei, enviei um mail de protesto a um jornal que expôs foto na capa. Depois fiquei a saber que outros veículos também fizeram o mesmo. Como não vi, não posso falar do que “ouvi dizer”.
Mas segue a mensagem para o jornal Folha de Pernambuco:

MAIL ENVIADO PARA A FOLHA PE EM PROTESTO PELA CAPA DO DIA 15/06

A Folha de Pernambuco e a falta de ética

Achei um absurdo a postura de desrespeito desse jornal com um colega de profissão em publicar, no dia 15/06 uma foto tão grosseira, de um crime bárbaro na capa 1. Não bastasse o sensacionalismo, vocês ainda passam por cima da dor de amigos, parentes e de uma equipe de trabalho a quem Valdemir Silva era muito caro e que está muito sentida com tudo isso.
Sensacionalismo tem limites! E ética ainda existe. Será que se fosse membro da equipe da folha vocês dariam o mesmo tratamento? Teriam exposto a foto do corpo da forma com que fizeram? Aprendam a respeitar as pessoas, pois a realidade não está muito longe para nenhum de nós!
Indignada, deixo aqui meu protesto como amiga do Val Silva, cidadã desta cidade que a cada dia se afunda mais na criminalidade, e profissional de uma área que a cada dia se torna mais mesquinha, como é o caso da nossa comunicação e seus valores comerciais.
Eveline Alves

Pelo que obtive, junto a outros colegas que também escreveram, a seguinte resposta:

Colegas,

Para nós da Folha também não é fácil lidarmos com a violência diária. Não ficamos felizes em publicar tal notícia, mas não poderíamos ignorá-la. Segue abaixo o e-mail do nosso editor respondendo aos questionamentos.
Estamos à disposição,
KC

O mail do editor:

Katarina, também não é fácil, para nós da Folha convivermos diariamente com a enorme violência instalada em nossa Cidade. E aí? Vamos ignorá-la e deixar de divulgar os fatos? Inventamos a notícia? Criamos as fotos?
Concordo que a notícia publicada na nossa edição do último domingo é chocante. Porém, verdadeira. Entendo que alguns colegas do Sistema JCPM não tenham gostado da divulgação do fato. Mas, há muito tempo que este mesmo sistema, preocupado com a violência, divulga sim fotos e fatos da violência urbana nas páginas do JC e nas telas da TV Jornal.
Grato
HB

Pelo que não pude deixar de enviar uma tréplica, que segue mais adiante. A intenção, dita na resposta ao periódico, não é travar uma batalha sobre quem falou o que, mas chamar a atenção para a forma com a qual lidamos com a comunicação. Onde ficam então os direitos do cidadão, que além de fugir da própria cidade, rezar para chegar vivo ao fim do dia, tem que deixar, ainda em vida, desejo expresso que, caso aconteça algo, não se quer ser capa estampada nas páginas de polícia dos nossos jornais, nem fazer parte das edições dos jornais televisivos, onde reina a desgraça e o derramamento de sangue?
Onde está o direito à privacidade antes e depois da morte? Onde está o respeito ao cidadão? Onde está a ética profissional? Trocados por alguns Reais a mais ao fim do mês quando se faz a contabilidade da venda e dos anúncios? É para isso que vem servindo nossa comunicação? E eu aqui, inocentemente achando que ela existia para servir ao povo. Ao menos do que me lembro, foi esse o juramento que fiz quando me formei. Mudou alguma coisa? Perdi o bonde da história?

Juramento dos cursos:

Comunicação Social
Como Bacharel em Comunicação Social, prometo buscar meus ideais, seguindo a meta de trabalho que livremente escolhi. Comunicando com ética honestidade e responsabilidade, aquilo que aprendi. Prometo promover a aproximação entre as pessoas, para que possam compreender o sentido da comunicação na sociedade e na humanidade.

Jornalismo
Juro cumprir minhas obrigações como jornalista dentro dos princípios universais de justiça e democracia, coerente com as idéias de comunhão e fraternidade entre os homens, para que o exercício da profissão redunde no aprimoramento das relações humanas que resultará na construção de um futuro mais digno, mais justo, para que os que virão depois de nós.

Tréplica para a Folha de Pernambuco:

Caros,
O que se está colocando em discussão não é a questão de se ter ou não dado a notícia. Infelizmente foi fato. E acho sim, que deve ser divulgado, como o foi por todos os veículos. Da mesma maneira, também a violência deve ser denunciada. A forma de fazer a divulgação/denúncia é que poderia ter sido medida. Divulgar a foto do Wal Silva como vocês fizeram não contribuiu, nem trouxe nenhuma nova informação aos leitores, apenas agrediu à família e aos amigos.
A questão não é que “os colegas do Sistema JCPM não gostaram”. Eu não faço parte do Sistema JCPM, mas nem por isso passo ao lado de ter-me sentido agredida, como falei, como amiga, cidadã, e profissional.
É certo que também o facto de ser um colega de profissão poderia ter sido levado em conta pela editoria. Se é uma linha editorial adotada pelo jornal e que deve ser seguida, isso é lá uma questão interna. Mas que poupassem, ao menos em nome da ética profissional, as pessoas, os cidadãos, até mesmo independente de ser ou não um colega de profissão. Isso pode atrair certo número de leitores, ávidos pela desgraça alheia, mas lembrem-se de quantas pessoas vocês magoam em nome da comercialização de um periódico.
Não quero fazer disso uma guerra ou uma disputa sobre “quem disse o que”, não é esse o objectivo, muito pelo contrário. Wal Silva era uma pessoa tão extraordinária que até sua morte serviu para suscitar uma discussão útil e importante, que apenas ajudará nossa população a melhorar. Isso sim, é um contributo positivo.
Acho que, não apenas vocês, mas todos os veículos de comunicação dessa cidade deveriam fazer uma auto-avaliação crítica de conduta, levando em conta a possibilidade de mudanças. Será que não estamos nós, enquanto profissionais de comunicação, incentivando mais ainda a violência, em vez de combatê-la? Talvez esse posicionamento e a forma escolhida para a denúncia da violência que assola nossa cidade esteja causando um efeito contrário. Mostrando o despreparo do nosso sistema em manter a ordem e a segurança da população, e certa incapacidade em encontrar e punir criminosos, além da onda em massa de crimes, talvez estejamos apenas encorajando ainda mais a prática desses delitos, visto que o que se observa é, cada vez mais, o aumento do atrevimento dos bandidos.
Depois da banalização da violência vem a naturalização da situação. Não podemos simplesmente compactuar e propagar a idéia de que o Recife está assim porque é “normal”, é “consequência da modernidade”, “dos tempos”, enfim... Ou simplesmente porque “é o que é”. Essas ideologias “explicativas” nada dizem, nada acrescentam, e apenas tentam fazer com que a população se adapte à “realidade”, se acomode e se acostume. É exatamente isso que devemos evitar.
Espero que todos que porventura venham a ler esse email - principalmente os profissionais da área, chefes de editoria, repórteres e produtores, enfim - reflitam sobre o fato e sobre todo o resto.
Cumprimentos a todos,
Eveline Alves

Monday, May 05, 2008

Limitações da Lei 9.612



Rádio comunitária

Rádio comunitária (radcom ou RC) é um veículo especial de comunicação, sem fins lucrativos, criado, no Brasil, no ano de 1998, através da lei 9.612, para oferecer informação, cultura, entretenimento e lazer às comunidades onde estão inseridas. Com limitação de alcance - no máximo 1 km a partir de sua antena transmissora, se estiver no dial -, a radcom é, geralmente, formada por uma pequena estação que funciona como canal de comunicação dedicado ao sítio onde está localizada, abrindo oportunidades para divulgação de suas ideias, manifestações culturais, eventos locais, acontecimentos comunitários, utilidade pública, promoção de actividades educacionais, tradições, hábitos sociais e outras variantes que visem a melhoria das condições de vida da população.
De acordo com a lei, uma RC não pode ter vínculos com qualquer pessoa ou instituição que limite ou direccione sua programação, a exemplo de partidos políticos ou instituições religiosas. A programação diária deve ser baseada em tudo o que possa contribuir para o desenvolvimento da comunidade, sem discriminação de cor de pele, religião, sexo, convicções político-partidárias e condições sociais. Deve ainda respeitar sempre os valores éticos e sociais da pessoa e da família e dar oportunidade à manifestação de diferentes opiniões.
Também conhecidas como rádios livres, são a representação de cidadãos e comunidades. Elas surgem, movidas pela sociedade desorganizada, nas áreas de maiores carências da população, sem comida, sem teto, sem bibliotecas, sem cinemas e sem cidadania. São a voz de milhões de marginalizados do poder económico, político, cultural, dominante, que estão a dizer que querem participar.
As rádios possuem, dentro da comunidade nas quais estão inseridas, grande poder de mobilização e conscientização. Mas precisam ser utilizadas por pessoas com alto conhecimento sobre os problemas e necessidades locais, com capacidade crítica, potencial de formação de opinião e, principalmente, com objectivos voltados para o bem comum, de acordo com alguns artigos da lei 9.612/98, que rege as rádios comunitárias no Brasil. Isso porque, da mesma forma que são utilizadas na busca da cidadania, podem ter seus princípios desviados, passando a ser reprodutoras de valores massificados pelas grandes médias, ideologias dominantes e não comunitárias, o que deturparia seus objectivos primeiros.
A rádio comercial seria o mais fabuloso meio de comunicação imaginável na vida pública, constituiria um fantástico sistema de canalização, se fosse capaz, não apenas de emitir, mas também de receber. E esse é o princípio das rádios comunitárias, organizar sua programação em conjunto com a comunidade. O ouvinte não apenas ouve, mas também fala. A rádio: não se isola, mas fica em comunicação com todos. Ela se afasta das fontes oficiais de informação e transforma os ouvintes nos grandes abastecedores (Bertolt Brecht).

A legislação das Rádios Comunitárias como entrave à autonomia e expansão da comunicação interactiva

Diluídos na ideologia de que foi feita para formalizar e legalizar as rádios comunitárias, estão os reveses da lei 9.612, que a revelam opressora e limitadora. Apesar da importância já comprovada no quotidiano das comunidades, a lei impõe uma série de regras que dificultam a abertura das rádios comunitárias. Instrumento de informação com capacidade para fortalecer os laços entre moradores de determinado sítio, orquestrar acções colectivas para melhoria da vida nos bairros e estreitar a convivência entre vizinhos, intervindo de forma favorável no quotidiano das pessoas, esses veículos ganharam, em seu desfavor, uma legislação rigorosa.
Na verdade, é uma forma de controlar, legalmente, e com o apoio do Estado, o movimento das rádios comunitárias, e, por consequência, mais uma tentativa de democratização da comunicação. A lei, criada em 1998, não permite, por exemplo, a inserção de propaganda comercial, a não ser sob a forma de apoio cultural, de estabelecimentos localizados na sua área de cobertura. Isso limita o orçamento da rádio, e a impede de crescer e divulgar suas ideias em mais amplo alcance. Traz ainda outras regras que vão de encontro com as propostas de democratização da comunicação, como impedir uma transmissão, caso seja considerada clandestina, e até resultar em prisão para os “contraventores”.
Segundo Lima Filho (2003), a transmissão de conhecimento e transparência no repasse da informação são ingredientes imprescindíveis para uma estratégia de desenvolvimento eficaz, e um dos meios para se reduzir a pobreza é a liberação do acesso à informação. Pessoas com mais informação são capacitadas para fazer melhores escolhas. O autor defende ainda que a média pode promover o desenvolvimento económico de três maneiras: sendo independente, transmitindo informação de boa qualidade e tendo um longo alcance. Mas, para decepção dos que pregam a democratização da comunicação, o novo instrumento, ao invés de promover essa mudança necessária, cria barreiras que impedem o avanço.
Além de mudar os critérios para a concessão dos canais, tornando-a muito mais difícil e burocrática, e às vezes até inacessível, há também itens em relação ao funcionamento das rádios que precisam ser revistos, como a ampliação do alcance da transmissão, que hoje é de um quilómetro, a proibição de publicidades, senão como “apoio cultural”, e a proibição de financiamento público, o que dificulta muito a criação de novas rádios.
No caso de rádios postes ou rádio cornetas, que funcionam por meio de caixas de som instaladas em locais públicos, como é o caso da Rádio Alto Falante, instalada na comunidade do Alto José do Pinho, a licença é obtida mais facilmente, mas ainda assim, com muita burocracia. O primeiro passo é retirar o Certificado Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), na junta comercial. Após elaborar o estatuto da rádio, deve-se procurar a prefeitura e a Companhia Pernambucana de Meio Ambiente (CPRH), para obter o alvará de funcionamento. É necessário ainda levantar o número dos postes onde serão instalados os alto-falantes e informá-lo à Companhia de Electricidade. A prefeitura do município torna-se responsável pela fiscalização do volume da transmissão
Para criar uma rádio que funcione por frequência no dial, a situação é mais complicada. Em primeiro lugar, a comunidade precisa ter entidades juridicamente reconhecidas que se reúnam em torno de um conselho comunitário. É preciso também formar um conselho de ética, um conselho fiscal e uma directoria. Mas o passo mais complicado no processo de abertura da rádio é a solicitação da licença, junto ao Ministério da Comunicação. Em alguns casos, é a parte mais demorada. Como o número de documentos que se precisa levar é grande, muitas vezes, os pedidos não são aceitos.
Quando se obtém a concessão, é preciso pagar uma taxa anual de R$ 100 para funcionamento. Em Pernambuco existem exemplos da dificuldade imposta pela burocracia, como a Rádio Calhetas, no Cabo de Santo Agostinho, que levou quatro anos para alcançar a legalidade e chegou a ser fechada duas vezes. Hoje a rádio tem mais audiência que as rádios comerciais do município. Isso se deve ao vínculo de confiança que o veículo criou com a população desde a primeiar tentativa de encerramento, quando houve várias mobilizações para reabri-la.

Eveline Alves
Lisboa, maio de 2008

Bibliografia

LIMA FILHO, Roberto Cordoville Éfrem. Direito Humano à comunicação: Respeito à pluralidade, fortalecimento do público e educação libertadora na construção do estado democrático de direito. Recife: V Colóquio Internacional Paulo Freire, 19 a 22/Set 2005.