Monday, December 19, 2005

O papel dos meios de comunicação alternativos na luta contra a desigualdade


O Estado é de todos, para todos e por todos. Ao menos essa é a teoria que deveria ser aplicada. Mas como sabemos, a teoria, na prática, é outra. O Estado está voltado aos interesses da classe burguesa, dominante, enquanto faz a massa dominada acreditar que também faz parte desse bojo.

“Gramsci considerou o Estado como uma extensão do aparelho hegemônico, como parte do sistema desenvolvido pela burguesia para perpetuar e expandir seu controle sobre a sociedade no contexto da luta de classe”. (Carnoy, 2004, 100)

Ainda segundo ele,

“... a noção geral de Estado inclui elementos que também são comuns à noção de sociedade civil (neste sentido poder-se-ia dizer que o Estado = sociedade política + sociedade civil, em outras palavras, a hegemonia garantida pela couraça da coerção)”. (Gramsci, 1971, 263 apud Carnoy, 2004: 98)

As classes subordinadas são levadas a acreditar na ideologia das dominantes e aceitá-las, como se fosse sua. Elas mesmas consentem essa dominação. Mas isso não se dá a troco de nada. Através da força e do convencimento, a classe hegemônica burguesa, que detém o poder, molda, como quer, a sociedade civil, em busca de uma hegemonia, já garantida. Pois bem, ninguém duvida que já há, entre as classes, uma hegemonia enraizada e comandada pela burguesia. “... a hegemonia significa o predomínio ideológico das classes dominantes sobre a classe subalterna na sociedade civil”. (Carnoy, 2004, 93)
Para Gramsci, a hegemonia tem dois significados: o primeiro é o exercício do controle de uma parte da classe dominante na sociedade civil, através de lideranças moral e intelectual sobre outros grupos da mesma classe. O grupo que detém o poder e a capacidade de articulação dos interesses das outras partes impõe sua própria ideologia, ou seja, ele combina seus princípios hegemônicos com elementos de interesse comum da classe, para manipular e manter o controle. O segundo significado diz respeito a relação entre as classes dominantes e dominadas. Aqui a classe dominante impõe sua visão de mundo como abrangente e universal, através de suas lideranças política, moral e intelectual. Dessa forma, molda os interesses e as necessidades dos grupos subordinados.
E o pior nisso tudo, é que, quando se trata do segundo exemplo, quando podemos observar que as diferenças entre classes são bem mais sensíveis, notamos que toda essa estrutura existe com o consentimento da classe dominada, que acredita, realmente, também fazer parte dessa parcela privilegiada. “O controle da consciência é uma área de luta política da mesma forma, ou até mais, que o controle das forças de produção”. (Carnoy, 2004, 102)
Como então reverter essa falsa idéia de poder que faz uma classe (subalterna) lutar em prol dos objetivos de outra (dominadora) que continua sobrevivendo às custas da opressão da primeira? A comunicação tem, nesse sentido, papel primordial, além do dever de desfazer essa visão. Mas como, se os meios de comunicação são controlados pela burguesia dominante? É a hora de se pensar em uma das poucas opções funcionais que resta às classes subalternas: os veículos alternativos de comunicação. Veículos que chegam ao povo, que devem ser dirigidos, formulados e ‘controlados’ por intelectuais militantes, líderes críticos e conscientes, que possam organizar as massas e encaminhá-las na busca de seus direitos e na luta pelo reconhecimento, definida, em parte, por Axel Honneth como resistência coletiva. É sobre essa forma de comunicação e esses caminhos que falaremos a seguir. Para isso, nos basearemos nos conceitos de Antônio Gramsci de Estado, sociedade civil e hegemonia, e de Axel Honneth sobre a luta pelo reconhecimento.
A proposta deste trabalho é tentar mostrar, segundo as teorias de Gramsci, passando por alguns conceitos de Honneth, a mecânica de manipulação do Estado, e consequentemente, da burguesia para com as massas, e levantar a questão se há, realmente, uma possibilidade concreta para uma mudança de estratégia das classes dominadas, que partiriam de uma situação de defesa estática para um contra-ataque funcional através dos meios de comunicação alternativos.

O Estado e as Sociedades de Gramsci

Segundo Gramsci o Estado, constituído tanto pela sociedade civil, quanto pela sociedade política, é um instrumento de expansão da hegemonia burguesa, além de uma forma de repressão das massas dominadas.

“Para Gramsci o Estado, como superestrutura, torna-se uma variável essencial, em vez de secundária, na compreensão da sociedade capitalista. (...) o Estado é, simultaneamente, um instrumento essencial para a expansão do poder da classe dominante e uma força repressiva (sociedade política) que mantém os grupos subordinados fracos e desorganizados”. (Carnoy, 2004, 98)

E na busca da reprodução da sociedade capitalista, cada uma das sociedades que compõem o Estado tem seus meios. A sociedade civil segue o caminho do convencimento e do consenso. Já a sociedade política prefere optar pelo uso da coerção. Ambas, seja através da força ou do convencimento, buscam a hegemonia e o poder do Estado. Mas uma coisa é certa: são esses dois elementos, sociedade civil e política, que sustentam a hegemonia. E é através do poder conseguido por um dos lados (a burguesia) que é construída a hegemonia, que por sua vez vai convencer o povo a aceitar suas teses. “...a hegemonia de Gramsci se expressa na sociedade como o conjunto de instituições, ideologias, práticas e agentes ... que compreendem a cultura dos valores dominantes”. (Carnoy, 2004, 95)
Mas essa hegemonia é construída no espaço da sociedade civil onde se constrói, também a contra-hegemonia, defendida por Gramsci. E o que seria essa contra-hegemonia? Seria a base da estratégia de Gramsci, onde a classe trabalhadora se organizaria no confronto com a classe dominante, em busca da hegemonia proletária e contra a exploração da própria classe. Isso se daria porque, para Gramsci “o controle do Estado não é suficiente para garantir que o poder passe para um grupo oposto (tal como o proletariado)” (Carnoy, 2004, 108), ou seja, a tomada do Estado pelo proletariado não significava o controle do poder, não seria suficiente para estabelecer a hegemonia proletária. Isso porque o Estado era apenas mais uma peça do sistema, não necessariamente a principal, e por trás dele havia uma forte estrutura da sociedade civil.
Mas, ainda assim, a classe dominada precisava reagir. A essa organização da classe proletária Gramsci chama de guerra de posição, uma alternativa à “guerra de movimento”, que seria o ataque ao Estado, uma luta pela consciência da classe operária. Na primeira o avanço seria para tomar o espaço criando uma consciência coletiva na classe trabalhadora, uma hegemonia proletária para sitiar o Estado burguês.

“... a “guerra de posição” se baseia na idéia de sitiar o aparelho do Estado com uma contra-hegemonia, criada pela organização de massa da classe trabalhadora e pelo desenvolvimento das instituições e da cultura da classe operária”. (Carnoy, 2004, 110)

Na segunda, a guerra de movimento, o avanço seria para ocupar uma posição estratégica na sociedade civil e acessar o Estado, então sociedade política, para daí tomar o poder. O erro desta estratégia seria a falta de organização da classe trabalhadora e de alicerces para uma nova cultura. “Ele (Gramsci) vê a guerra de movimento (assalto frontal) não apenas como incorreta do ponto de vista da estratégia, mas também como deixando um vazio no desenvolvimento de uma nova sociedade”. (Carnoy, 2004, 111)

Em busca de reconhecimento

Reconhecimento é algo que todos querem e têm direito. Mas, para uma grande parte da população - e aqui deixamos claro que estamos nos referindo à população brasileira - isso não é possível. Existe uma maioria excluída, despreparada para a busca de seus direitos civis, que por mais que tentem falar, ninguém ouve suas vozes. Esse grupo, às vezes chamado de minoria, devido a preconceitos étnicos, raciais, sexuais ou religiosos, é formado por homens e mulheres comuns, desorganizados, em precárias condições de vida seja em relação à habitação, alimentação, saúde, educação e/ou lazer. A relação social entre indivíduos é uma luta constante, com grupos que se dividem entre a imposição da própria vontade e a resistência dessa imposição pelo outro lado, gerando conflitos de classe. Para Axel Honneth, todos conflitos sociais têm como base uma luta por reconhecimento.
Segundo Hegel, a teoria do reconhecimento objetiva mostrar “que todo processo de interação é constituído pelo reconhecimento mútuo e que todos os conflitos estão baseados na violação desse consenso que fundamenta acordos subjetivos”. (Mattos, 2004, 150) Já para Nancy Fraser, reconhecimento é uma questão de justiça.

“... ela quer mostrar que a categoria do reconhecimento pode ser melhor explicada de acordo com um padrão universal de justiça, aceito por todos, a partir do pressuposto de igual valor do ser humano. Logo, não-reconhecimento para ela é analisado menos em relação às atitudes depreciatórias sofridas pelos indivíduos, mas mais pela análise de práticas discriminatórias institucionalizadas”. (Mattos, 2004, 150)

Um dos maiores problemas dessas minorias que tentam resistir a imposição da burguesia está em se fazer ouvir. É que essas vozes precárias, subordinadas, geralmente ‘gritam’ sozinhas. Não se direcionam em torno de um objetivo comum. São, em grande parte, individualistas, e quando conseguem se unir em busca do bem comum, estão, na maioria das vezes desorganizadas.

“... nem todas as três esferas de reconhecimento contêm em si, de modo geral, o tipo de tensão moral que pode estar em condições de pôr em marcha conflitos ou querelas sociais: uma luta só pode ser caracterizada de “social” na medida em que seus objetivos se deixam generalizar para além do horizonte das intenções individuais, chegando a um ponto em que eles podem se tornar a base de um movimento coletivo”. (Honneth, 2003, 256).

A relação entre indivíduos é o meio de orientar a intenção de cada grupo de elevar o poder e dispor das possibilidades da vida. Possibilidades essas que deveriam ser oferecidas a todos pelo Estado do qual fazem parte, sem distinção de cor, raça, sexo, religião e língua.

“O crescimento de uma sociedade civil plural permitiu uma ampliação enorme dos padrões culturais que regulamentam as diferentes arenas de ação social. Como resultado, tem-se a constituição de uma ordem eticamente plural na qual os padrões e horizontes de valores são bem mais contestados e estão abertos a mudanças”. (Mattos, 2004, 154)

As lutas sociais existentes buscam essas possibilidades, embora com bem menos sucesso do que o desejado. Como determinar a lógica moral dessas lutas? Segundo Axel Honneth,

“já nos começos da sociologia acadêmica foi cortado teoricamente, em larga medida, o nexo que não raro existe entre o surgimento de movimentos sociais e a experiência moral de desrespeito: os motivos para a rebelião, o protesto e a resistência foram transformados categorialmente em ‘interesses’, que devem resultar da distribuição desigual objetiva de oportunidades materiais de vida, sem estar ligados, de alguma maneira, à rede cotidiana das atitudes morais emotivas”. (Honneth, 2003, 255)

De acordo com Nancy Fraser, a luta por igual redistribuição das oportunidades enfatiza a injustiça socio-econômica, assim como a injustiça cultural. Podemos citar como exemplos a exploração do trabalho e a marginalização econômica, além da privação. Já no campo das lutas contra as injustiças culturais, segundo Mattos, busca-se soluções para destruir determinados padrões sociais de comportamento preconceituosos, como o não reconhecimento de práticas representativas, comunicativas e interpretativas de uma cultura.
A solução para essas injustiças: a econômica se daria com a redistribuição de renda, reorganização do trabalho e tomada de decisões democráticas; a cultural implicaria em algumas mudanças culturais - reavaliação positiva de identidades discriminadas, valorização da diversidade cultural, ou a transformação dos padrões de representação e comunicação.

“O que preocupa Fraser é a desconexão entre as duas dimensões dos conflitos sociais, a dimensão econômica e a cultural, que estão normalmente associadas. O que ela percebe nas novas demandas dos movimentos sociais por reconhecimento de identidades culturais é precisamente a minimização e não-tematização das questões referentes às desigualdades econômicas, numa ordem social globalizada e marcada por injustiças econômicas. A separação entre as dimensões econômica e cultural é falsa na visão dela. O desafio então é descobrir como conceitualizar reconhecimento cultural e igualdade social de maneira que uma demanda não enfraqueça a outra”. (Mattos, 2004, 145)

Uma das formas de se lutar pelo reconhecimento de uma classe é o uso da informação e da comunicação para tal fim. Mas como fazê-lo, levando em conta que a maioria dominante controla, também, os veículos de comunicação de massa e não pretendem abrir mão nem mesmo de centímetros do espaço conquistado para dividi-lo com a minoria excluída? Este grupo precisa tomar conhecimento da própria situação, aprender a refletir e criar consciência crítica para depois passar a agir da melhor maneira, baseado na teoria da “guerra de posição” de Gramsci. Mas para passar todas essas barreiras e chegar ao processo de busca da igualdade, essas pessoas precisam, antes, lutar pelo reconhecimento. Para isso se faz necessário, entre outras coisas, a democratização dos meios de comunicação. Mas, já que, como vimos, não é um objetivo fácil de alcançar, a saída é começar com o que se tem em mãos, e uma das possibilidades é o uso de veículos alternativos, como, por exemplo, as rádios comunitárias.

Minorias, preconceitos e oportunidades

Movimentos militantes raciais, feministas e sexistas estão caminhando na busca por reconhecimento através da unificação de suas vozes. Porém, tal trabalho ainda não é plenamente reconhecido, mesmo entre os grupos pelos quais lutam. Falta de divulgação e dificuldade de formar opinião pública são fatores que contribuem para essa realidade. São grupos que lutam por causas diferentes, mas que guardam as mesmas diferenças, as mesmas conseqüências e os mesmos preconceitos. Essas minorias precisam de espaço para se organizarem e se fazer ouvir, cada um com seu propósito.

“No caso das lutas envolvendo questões de gênero e raça tem-se que afirmar tanto o princípio da igualdade quanto o da diferença. O movimento feminista teve de lutar para desconstruir a injustiça econômica através da denúncia de que o gênero estrutura a divisão fundamental entre trabalho produtivo e assalariado e trabalho reprodutivos, doméstico e não-assalariado, típico de mulher. Além disso, o gênero também estrutura a divisão de trabalho entre ocupações profissionais e bem pagas dominadas por homens e o trabalho doméstico, mal pago, dominado por mulheres”. (Mattos, 2004, 147)

Não é muito diferente o que ocorre com o movimento negro. Além da luta do movimento contra a divisão do trabalho entre ocupações mal pagas ocupadas pelos negros, e as ocupações bem remuneradas ocupadas pelos brancos, existe a luta cultural que defende o engrandecimento da cultura negra.
Para que esses grupos busquem a igualdade e o reconhecimento através da redistribuição de oportunidades, precisam recorrer à correção de resultados indesejados.

“Para vencer os dilemas entre redistribuição e reconhecimento, pode-se adotar medidas afirmativas ou transfomativas. As medidas afirmativas têm por objetivo a correção de resultados indesejados sem mexer na estrutura que os forma. Já os remédios transformativos têm por fim a correção dos resultados indesejados pela reestruturação da estrutura que os produz”. (Mattos, 2004, 147)

Um lugar ao sol

Para que as classes dominadas consigam ocupar seu lugar na sociedade civil, precisa, segundo a teoria da guerra de posição de Gramsci, se articular e começar a trabalhar o lado sócio-econômico-cultural através de reivindicações e formação da opinião pública. E para que consigam ser formadores de opinião, precisam, antes, se inserir nesse meio. Dessa forma poderiam, com a contra-hegemonia, combater a hegemonia da classe dominante, conseguida através do convencimento das massas.

“Tal hegemonia, nos termos de Gramsci, significava o predomínio ideológico dos valores e normas burguesas sobre as classes subalternas”. (Carnoy, 2004, 90). “A classe burguesa situa-se como um organismo em contínuo movimento, capaz de absorver toda a sociedade, assimilando-a a seu nível cultural e econômico”. (Gramsci, 1971, 260 apud Carnoy, 2004, 101)

Sabendo que a sociedade civil faz parte da superestrutura do Estado, e que a parte dominante dessa controla essa superestrutura, podemos dizer que esses dois eixos controlam a hegemonia de tal forma, que resta à classe subordinada poucas alternativas, senão a luta contra-hegemônica.

“Podemos, para o momento, fixar dois grandes “níveis” superestruturais: o primeiro pode ser chamado de “sociedade civil”, isto é, o conjunto dos organismos vulgarmente denominados “privados”; e o segundo, de “sociedade política” ou do “Estado”. Esses dois níveis correspondem, de um lado, “a função de “hegemonia”, que o grupo dominante exerce em toda sociedade; e, de outro, à “dominação direta” ou ao comando, que é exercido através do Estado e do governo ‘”jurídico”. (Gramsci, 1971, 12 apud Carnoy, 2004, 92-93)

O projeto contra-hegemônico de Gramsci, com todas suas teses utópicas (utopia socialista) seria desenvolvido na sociedade civil, através do processo de transformação radical, ou seja, não seria apenas uma mudança econômica ou política, ou ainda no poder de produção. É mais do que isso, é uma mudança na cultura da sociedade.
Isso geraria uma crise da hegemonia, resultado de más ações dos grupos dirigentes, ou de forte militância política de massas até então passivas. O grupo dominante perderia o poder de convencimento, visto que as massas contariam com os intelectuais para direcionar-lhes a opinião, e teriam, assim, outras visões que difeririam do ponto de vista do grupo dominante. Este perde a direção da sociedade civil, restando apenas como classe dominante, que exerce somente a força de coerção.
Mas como difundir as opiniões desses intelectuais, de modo a confrontar com o monopólio dos meios de comunicação de massa controlados pela burguesia dominante e conseguir formar uma opinião pública crítica e que entre em contradição com a implantada pelo grupo que está no poder, de forma a causar a perda da legitimidade dominante e do consenso das práticas consideradas legítimas, instaurando, assim, a crise de hegemonia?

O papel dos meios de comunicação democratizados na sociedade civil

Para realizar tal feito seria necessário o trabalho coletivo dos meios de comunicação alternativos, em acordo com intelectuais voltados para a causa da contra-hegemonia e profissionais militantes de movimentos sociais, ou ainda que apoiem a causa. Dessa forma haveria um apoio e definição da luta ideológica orgânica, unificada com esses movimentos. Haveria uma quebra da ilusão formada nas massas pelas classes dirigentes.

“A burguesia utiliza todos estes elementos e sua expansão ilusória para incorporar a classe operária como classe operária, sem consciência de sua posição de classe no desenvolvimento global da burguesia. Ao tomar parte do poder e do controle burgueses, os trabalhadores permanecem uma classe explorada, contribuindo essencialmente para o enriquecimento de uma minoria (que permanece uma minoria) às custas dos trabalhadores”. (Carnoy, 2004, 101)

Para que as massas possam formar opiniões e lutar por um lugar ao sol através do direito à comunicação, se faz necessário que haja a democratização dos meios de comunicação. A estrutura de comunicação no Brasil, concentradora e monopolista, impede grandes movimentos das massas. Alguns países não permitem que uma só empresa atue em todas as áreas da comunicação ou que um só empresa atue em toda a extensão territorial. Isso se dá para desconcentrar o poder da informação.

“No Brasil tem empresa que atua no país inteiro, e em todos os ramos, concentrando uma grande audiência em suas mãos. Com isso concentra na mão de um grupo empresarial muito poder sobre a sociedade brasileira. É prejudicial à pluralidade, é prejudicial a uma visão ampla e democrática e à democracia”. (Renildo Calheiros, deputado federal, em entrevista)

A proposta de comunicação plural leva em conta os três modelos dos meios de comunicação: estatal, privado e público (comunitário). Os meios privados – com importante papel na promoção de serviços e entretenimento e na geração de empregos - não devem ser concedidos em troca de favores políticos, mas geridos por radiodifusores e acompanhados por conselhos formados pela sociedade civil. Os estatais devem desenvolver o papel do Estado na educação e promoção da cidadania. Já os públicos, ou comunitários, devem ser dirigidas por grupos de interesses comuns e caracterizadas pela democracia.

Rádios Comunitárias como veículo de inserção social

Todos nós temos o direito de existir, incluindo-se, nesse direito, o direito de se expressar, comunicar, reivindicar, emitir opiniões, desejos, receber informações capazes de formar conceitos críticos e dar aptidão para analisar a sociedade na qual vivemos. Para que isso se torne uma realidade e não fique apenas no plano dos ideais, precisamos lutar para que aconteça a inclusão social e o desmantelamento do monopólio da comunicação no Brasil.
Combater a concentração dos meios de comunicação no país é uma árdua tarefa. As rádios comunitárias, por sua vez, trabalham na outra ponta desse dilema, contra o monopólio, exercendo o papel de veículos alternativos de comunicação e inclusão social. O que se faz necessário para tal fim é a multiplicação desse meio plural nas mãos da comunidade. Uma vez de posse de tal canal de comunicação, a sociedade se presta a exercer seu papel cidadão, e a ela resta o desafio do bom uso desse meio.
Mas o que é uma rádio comunitária? A que se presta? O que designa esse termo? Como democratizá-la?

“Foi consolidado o conceito de entidade comunitária, habilitada para execução do serviço de radiodifusão comunitária, como entidade que não pode manter vínculos de subordinação com qualquer outra e que deve expressar um projeto de construção coletiva de unidade na diversidade, através da garantia estatutária ao ingresso como associado de todo e qualquer interessado domiciliado na área de prestação do serviço, bem como de outras entidades sem fins lucrativos sediadas nesta área e, também, da garantia de que todos os seus associados têm direito de votar e ser votados para todos os seus cargos de direção, assim como o direito de voz e voto nas deliberações sobre a vida social da entidade, nas instâncias deliberativas existentes”. (Relatório do Grupo de Trabalho do MC)

Assim, os movimentos de classe, étnicos, gênero ou movimentos gays têm, nesse veículo, uma opção para se inserir na sociedade como formadores de opinião, iniciando, dessa forma, mais um capítulo da contra-hegemonia e confrontando, desse modo, com a ‘revolução passiva’, que Gramsci define como sendo a tática em que o Estado tenta impedir que as massas dominadas exerçam sua influência.

“Gramsci usa o termo “revolução passiva” para indicar a constante reorganização do poder do Estado e sua relação com as classes dominadas para preservar a hegemonia da classe dominante e excluir as massas de exercerem influência sobre as instituições econômicas e políticas”. (Carnoy, 2004, 103)

Ele completa ainda dizendo que,

“Defrontado com massas potencialmente ativas, o Estado institui a revolução passiva como uma técnica que a burguesia tenta adotar quando sua hegemonia está de alguma maneira enfraquecida. O aspecto “passivo” consiste em “impedir o desenvolvimento de um adversário revolucionário, ‘decapitando’ seu potencial revolucionário”. (Carnoy, 2004, 104)

Gramsci considera que as massas de trabalhadores são também capazes de desenvolver a consciência de classe. Da mesma forma, grupos que têm seus direitos humanos, sejam civis, políticos, culturais ou sociais violados, podem seguir o exemplo, e partir na luta por reconhecimento com a ajuda das rádios comunitárias contribuindo, também, para a descentralização das comunicações no Brasil. “Quanto mais intensa for a atividade da rádio comunitária, melhor para o país, melhor para a democracia. Precisamos começar o trabalho de enfrentamento da macroestrutura da centralização das comunicações no Brasil”. (Renildo Calheiros, deputado federal, em entrevista)

Mas a dificuldade em obter a concessão de uma rádio comunitária já é, por si só, um entrave e uma verdadeira peregrinação burocrática e morosa. Acredita-se que entre os quase 2.500 processos de pedido de concessão arquivados, encontram-se casos que podem envolver arbitrariedades e injustiças praticadas. Como forma de reparação de tais injustiças, o grupo de trabalho do Ministério das Comunicações que lida com essa questão apresenta a proposta para que o ministério ofereça oportunidade às entidades que tiveram concessões negadas, para que, a curto prazo, possam ingressar com solicitação de revisão da decisão de arquivamento, acompanhada de justificativa e documentação comprobatória.

“Destacamos que se o Poder Executivo Federal pode mobilizar extraordinariamente recursos para reprimir a atuação e emissoras comunitárias não autorizadas – como ocorre no caso da Força Tarefa criada para integrar a atuação da Anatel e da polícia Federal – também pode, e deve, constituir os recursos extraordinários necessários para assegurar os direitos de cidadania estabelecidos na Lei 9.612/98 e dar o processamento devido e adequado aos pedidos de autorização para execução dos serviços de radiodifusão comunitária o que, até o fim da gestão passada no Ministério das Comunicações, infelizmente, não havia sido feito” (Relatório do Grupo de Trabalho do MC)

Ainda assim, não basta apenas obter a concessão desses veículos e descentralizá-los, disseminando-os entre as massas dominadas. Distribuir essas rádios entre líderes populares é importante, mas é apenas o primeiro passo. Colocá-las nas mãos de pessoas interessadas em promover a diminuição da desigualdade social e com poder de formar opinião pública, para, dessa forma, criar a consciência coletiva na classe dominada é primordial, assim como trabalhar esses veículos de forma coerente e direcionada na busca de um objetivo comum. A atuação dessas rádios deve adequar-se aos fins sociais e comunitários estabelecidos pela Lei 9.612/98, que regulamenta o veículo.

Conclusão

Se por um lado o Estado funciona como superestrutura para garantir a hegemonia para a classe burguesa, através de conceitos que levam as classes subordinadas a adotar a ideologia das dominantes, consentindo, elas mesmas, essa dominação, por outro existe todo um movimento contra-hegemônico trabalhado com as bases que, ainda que não totalmente formatado, pode se erguer, à medida que a população subordinada desenvolva consciência coletiva e passe a agir, saindo da acomodação que lhes é imputada.
É preciso quebrar a corrente através da qual a classe dominante molda a sociedade civil da forma que deseja. Existe uma possibilidade concreta para alavancar tal quebra? Dependendo da postura da sociedade, sim. Claro, num contexto de trabalho a longínquo prazo, para que essa busca por reconhecimento não se torne utópica. Mas caso se continue com a atual visão, dentro de um sistema capitalista viciado, não se conseguirá mudar jamais.
Por outro lado, o trabalho contínuo de mobilização e desenvolvimento da consciência coletiva nas bases, no melhor estilo do ‘trabalho de formiguinha’, pode, sim, começar a dar resultados. Que não se espere resultados que possam “mudar o mundo”, ou criar uma sociedade perfeita, sem desigualdades sociais e sem exploração da classe trabalhadora, uma vez que vivemos num sistema capitalista cada dia mais arraigado. Caso contrário, cairíamos, mais uma vez, na armadilha da utopia. Sabido que a desigualdade jamais cessará, ao menos que seja justa, baseada na força de trabalho, e não na exploração de classes.
O que pretende-se é diminuir essa desigualdade social, dando oportunidades às minorias excluídas, quebrando preconceitos e promovendo a busca coletiva dos direitos humanos, para que essas minorias lutem pela diminuição dos conflitos sociais – que, segundo Honneth, seriam constituídos de uma luta por reconhecimento - e a unificação da luta social, que, dessa forma, se generalizaria, deixando de ser individual para ser coletiva.
Encampando-se essa luta coletiva, esses grupos excluídos passariam, pouco a pouco, a ocupar seu lugar dentro do sistema. Não o lugar que lhes foi delegado, sem perspectivas e oportunidades, mas um lugar que lhes é de direito, a medida em que passem a ter consciência do espaço que podem ocupar dentro da sociedade capitalista. Essa tomada de consciência e esse avanço, que Gramsci chama de contra-hegemonia, seria o início da quebra da desigualdade.
Como alternativa para o início dessa árdua tarefa, existem os canais comunitários de comunicação, que têm, nas rádios, seu maior aliado, visto o alcance e a aceitação por parte da população que atinge. É a partir desses focos, marginalizados e discriminados, que se deve começar o trabalho: expandir os conceitos, criar um elo entre os indivíduos, desenvolvendo um envolvimento social mais humanitário nas comunidades, mostrar como age o sistema, e principalmente, o caminho para lutar contra ele. Não se deve, nesse caso, trabalhar uma política paternalista de fazer o papel social desses indivíduos, mas antes, ensinar e deixar que eles mesmos o façam. “Utilidade não é assistencialismo, porque esse deseduca, trata com pena, não ensina a lutar” (Marcus Aurélio de Carvalho, coordenador geral da UNIRR, em entrevista)
Dessa forma os veículos comunitários podem sim, sem dúvidas, desenvolver um papel inclusivo e se tornar o primeiro grande passo nessa mobilização, em busca de uma sociedade mais justa, com menos desigualdades e mais oportunidades para todos, e principalmente, as camadas excluídas e discriminadas da população. Não que sejam auto-suficientes para, sozinhos, mudar o sistema. Esses veículos tem seus limites, e isolados, não vão acabar com as desigualdades sociais.
Como reza a estratégia contra-hegemônica, os meios de comunicação de massa, apesar de importantes para reduzir as desigualdades e alcançar algumas conquistas sociais, não conseguem, sozinhos, mudar o mundo. Eles não são suficientes para mudar a estrutura e implantar as reformas estruturais necessárias para atenuar as desigualdades sociais. Mas já se colocam como excelente arma para um bom começo de conscientização e mobilização.

Eveline Alves
Recife, maio de 2005

Bibliografia

CARNOY, Martins. Gramsci e o Estado. In Estado e teoria política. Campinas, SP:
Papirus, 2004 (89 - 117)

HONNETH, Axel. Desrespeito e resistência: A lógica moral dos conflitos sociais. In Luta
por reconhecimento. São Paulo, SP: Editora 34, 2003 (253 - 268)

MATTOS, Patrícia. O reconhecimento, entre a justiça e a identidade. In Lua Nova, nº 63. São
Paulo, 2004 (144 – 161)

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